Reforma Tributária é aprovada na CCJ e segue para o Plenário
Após mais de sete horas de reunião, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta terça-feira (7) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2019) que institui uma ampla e histórica reforma no sistema tributário brasileiro. O texto-base apresentado pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), passou com 20 votos favoráveis e seis contrários. Em seguida, foram votadas as cinco emendas de destaque, mas nenhuma delas foi aprovada.
A CCJ alterou a PEC que veio da Câmara dos Deputados para criar instrumento que busca evitar aumento de impostos e para elevar a R$ 60 bilhões o fundo mantido pela União para reduzir as desigualdades regionais, entre outras mudanças. O texto segue para análise no Plenário, já incluído na pauta desta quarta-feira (8).
Nesta terça-feira foi aprovado requerimento de calendário especial para votação da PEC. Com isso, a proposta será votada pelo Plenário do Senado em dois turnos em um mesmo dia (nesta quarta), a partir das 14h. O requerimento recebeu 48 votos a favor e 24 contra.
A PEC transforma cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) em três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS). Cada novo tributo terá um período de transição. A CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal), que tributam o consumo, são formas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que incide apenas nas etapas do comércio que geram novo valor ao produto ou serviço e assim evita cobranças sobre impostos já pagos.
Para compor o texto-base, o relator disse que acatou total ou parcialmente 247 emendas. Depois da apresentação do relatório no colegiado, no dia 25 de outubro, Braga apresentou uma complementação de voto com mais de 40 emendas acolhidas. Durante a reunião, o relator ainda acatou outras emendas.
A PEC tramitou em conjunto com outras duas propostas, que foram consideradas prejudicadas: a PEC 46/2022, apresentada primeiramente pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR); e a PEC 110/2019, do senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Trava
Na reunião desta terça, o relator acentuou que a reforma tem como um de seus princípios não aumentar a carga tributária. Essa preocupação será materializada por meio de um instrumento chamado “trava de referência”.
— O principal legado é estabelecer uma trava sobre a carga tributária, que não permitirá que haja aumento de imposto para o contribuinte. Pela fórmula apresentada no relatório, quando o PIB [Produto Interno Bruto] for zero, [o governo] não poderá aumentar a carga tributária. Quando o PIB for negativo, não terá aumento de carga tributária — garantiu Braga.
Na avaliação dos senadores Esperidião Amin (PP-SC), Carlos Portinho (PL-RJ), Izalci Lucas (PSDB-DF) e Rogerio Marinho (PL-RN), líder da oposição na Casa, o mecanismo não será efetivo. Eles apoiaram uma alíquota limite de 20% para a soma da CBS e do IBS, que só poderia ser aumentada por meio de referendo popular. A emenda, apresentada por Marinho, foi uma das rejeitadas pelos parlamentares.
— De acordo com as palavras do ministro [da Fazenda] Fernando Haddad, o imposto [pode passar a ser] de 27,5%. Sabe qual é o maior IVA do mundo até agora? O da Hungria, que é 27%. Vamos oferecer ao Brasil o maior imposto sobre valor agregado do mundo — argumentou Marinho.
O texto que passou na CCJ não define o que se pode chamar de alíquota máxima da CBS e do IBS, ou seja a alíquota a ser cobrada dos setores não beneficiados com isenções. Os dois impostos serão instituídos por lei complementar. A alíquota da CBS (federal) poderá ser fixada em lei ordinária. A alíquota do IBS será determinada por estados e municípios. A estimativa feita por Haddad levou em conta, segundo ele, o grande número de setores favorecidos por isenções. Como o governo não pode ter perda de arrecadação, a alíquota máxima, estimada em 27,5%, compensaria as exceções previstas na PEC.
No entendimento do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), atualmente o contribuinte “já paga carga maior que essa sugerida, só que está oculta”. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) alertou para o fato de que muitos países que adotam alíquota do IVA mais baixas compensam a arrecadação com impostos sobre renda e patrimônio.
— Você deveria comparar com a tributação de grandes fortunas, sobre patrimônio, sobre heranças, sobre renda… Na verdade, é o cenário [para o qual] a gente precisa evoluir. O Brasil acabou sendo um paraíso para os multimilionários. A reforma começa a avançar nesse sentido quando pega, por exemplo, itens de luxo e tributa — explicou a senadora, referindo-se a mudanças no IPVA, que passará a incidir sobre veículos automotores aquáticos e aéreos, como lanchas e barcos.
A trava criada por Braga, e aprovada pelos parlamentares, obrigará a uma redução da CBS e do IS em 2030 se suas receitas medidas em 2027 e 2028 forem maiores que a média da arrecadação do PIS/Pasep, Cofins e IPI (que serão extintos) de 2012 a 2021. Em 2035, haverá outro período de reavaliação, em que todos os tributos criados pela PEC poderão ser reduzidos se a receita medida entre 2029 e 2033 for maior que a média da arrecadação, entre 2012 e 2021, dos impostos extintos. Ambos os cálculos levarão em consideração o PIB.
Setor automobilístico
A reforma prevê instrumentos que buscam combater a desigualdade no desenvolvimento regional e econômico nos estados. Um deles, alvo de divergências entre os parlamentares, foi a prorrogação de benefícios fiscais do IPI para plantas automobilísticas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até dezembro de 2032. Braga retomou o trecho que foi retirado na Câmara dos Deputados, mas incluiu restrição do benefício apenas para automóveis “descarbonizantes”, como veículos elétricos ou movidos a biocombustíveis. O benefício, estabelecido na forma de crédito presumido da CBS, será reduzido em 20% ao ano entre 2029 e 2032.
O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) questionou a eficiência dessa renúncia fiscal da União. Ele apresentou emenda para retirar o trecho, mas a supressão não foi acatada pelos parlamentares. Segundo o senador do Podemos, deixar de arrecadar o IPI no setor automobilístico nessas regiões prejudicará os Fundos de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM), que são financiados pelo IPI.
— Apenas uma empresa se beneficia desse privilégio, que é a Fiat em Pernambuco [na cidade de Goiana] (...). Não é justo (...) que os repasses constitucionais percam tanto dinheiro. O TCU [Tribunal de Contas da União], ao analisar essa concessão dada à Fiat (...), entende que não têm cumprido com o desenvolvimento socioeconômico — afirmou Zequinha.
Já o senador Otto Alencar (PSD-BA) apontou que os estados mais desenvolvidos tiveram facilidades fiscais no passado:
— Nenhuma empresa que se instalou nos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Paraná, não teve lá atrás subsídio, incentivos fiscais... O Paraná tem hoje um grande polo automotivo. Será que nenhuma dessas não recebeu benefícios fiscais? E a Bahia não pode ter uma também? Pernambuco não pode ter uma também?
Fundo de Desenvolvimento
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) é outro instrumento aprovado na PEC para reduzir discrepâncias entre os estados brasileiros. Os recursos do fundo serão aportados anualmente pelo governo federal. De R$ 8 bilhões em 2029 os valores devem chegar a R$ 60 bilhões em 2043. Do total, 30% serão distribuídos para os estados por critério populacional e 70% com base em um coeficiente de sua participação no FPE.
Na opinião do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o cálculo prejudica estados pobres com população reduzida, como os da região Norte. Os senadores rejeitaram sua emenda que previa a distribuição unicamente pelos critérios que o FPE usa hoje. Para Braga, essa mudança “penalizaria brutalmente os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste”.
Fundo de Compensação
Já a criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais tem como objetivo compensar, até 31 de dezembro de 2032, as pessoas jurídicas beneficiárias de isenções e incentivos fiscais associados ao ICMS, que será substituído pelo IBS. Essas isenções fazem parte de uma estratégia utilizada pelos estados para atraírem empresas e investimentos. Braga incluiu emenda de Mecias que torna possível o recebimento também por pessoas físicas.
Como um dos pilares da reforma é a tributação apenas no local de consumo, e não mais no local de produção e de consumo como é hoje, essa estratégia (igualmente conhecida como guerra fiscal) deverá perder força. A senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) criticou o prazo adotado na PEC para aplicação das regras. O texto só permite a compensação aos titulares de benefícios que foram concedidos até 31 de maio de 2023. Segundo a senadora, o prazo prejudica estados que estão em processo de instituição de benefícios com a isenção do ICMS, como Tocantins.
Exceções
Braga complementou seu relatório para incluir novas hipóteses de tratamento favorável nas novas regras tributárias. As atividades de reabilitação urbana de zonas históricas terão redução de 60% do CBS e IBS. Serão isentos desses impostos os serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos, a compra de automóveis por taxistas ou por pessoas com deficiência ou no espectro autista, além de medicamentos e dispositivos médicos. Além de produtos de uma cesta básica ampliada e da energia elétrica, o botijão de gás foi incluído no cashback, mecanismo que permite devolução do imposto pago por pessoas de baixa renda.
Braga acatou do mesmo modo, durante a reunião, emenda da senadora Augusta Brito (PT-CE) para incluir o hidrogênio verde na previsão de lei complementar que assegurará tributação de biocombustíveis inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis.
As reduções e isenções tributárias tratadas na reforma foram questionadas pelo senador Marinho. Segundo ele, a quantidade de setores beneficiados com redução ou isenção dos impostos levará ao aumento da alíquota dos contribuintes que se enquadram na regra geral para compensar a perda arrecadatória. Mas o senador Efraim Filho (União-PB) defendeu as exceções. Na opinião dele, “quem é mais humilde precisa ter tratamento diferenciado”.
Outros impostos
Os senadores aprovaram a mudança de Braga para tornar obrigatório o Imposto Seletivo (IS) sobre armas e munições (exceto para a administração pública), atendendo a emendas das senadoras Eliziane Gama e Augusta Brito (PT-CE). Em seu texto anterior, essa seria apenas uma possibilidade.
O Imposto Seletivo, que substituirá o IPI, será usado como desincentivo a produtos e serviços prejudiciais à saúde, como bebidas e cigarros, e à “sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono”, termo acolhido por Braga após emenda do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
A reforma também traz disposições sobre outros impostos estaduais e municipais. Portinho criticou a mudança que permite a alteração do IPVA por prefeitos por meio de decreto, dispensando a aprovação de vereadores.
Transição
Os novos impostos serão completamente instituídos apenas em 2033. Além disso, as regras para distribuição do IBS aos estados e municípios durará 50 anos. Para o senador Eduardo Girão (NOVO-CE), o longo tempo prejudicará a administração das empresas no país, que precisarão gastar mais com especialistas para se adequarem à transição.
Braga também atualizou seu texto-base para permitir a criação de novas contribuições por estados sobre produtos primários e semielaborados, como os produtos agropecuários. Algumas unidades federativas criaram esses tributos para financiar fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação, que serão prejudicadas com a reforma tributária.
A versão da Câmara dos Deputados previa trecho semelhante, mas foi retirado por Braga no texto-base. Agora ele retomou a possibilidade, mas com diversas restrições. Só poderão criar a contribuição os estados que já possuem um tributo semelhante e um fundo do gênero. As alíquotas não poderão ser maiores do que eram em 30 de abril de 2023 e os fundos devem manter regras de funcionamento como eram nesta data. Em 2043, as contribuições criadas deverão ser extintas.